Dia de exibição

Muita gente ainda me chama de louca por ter largado 'tudo' no Brasil. A minha vida era ótima: tinha estabilidade no emprego, tinha minha motoca, morava com meus pais e não precisava me preocupar com a minha comida e nem com a minha roupa. Mas... faltava algo.

Não reclamo de nada que eu tinha lá, mas comecei a ficar inquieta (meu pai diria que eu sempre o fui). Se duas coisas me incomodam imensamente, elas são a rotina e a alienação. Minha cidade é ótima, mas ela sempre foi muito pequena para os meus anseios. Finalmente, a oportunidade apareceu e eu não a deixaria escapar, mesmo com todos os poréns que eu enfrentei para estar aqui. Minha família me apoiou e, no fim, é só disso que você realmente precisa.

Hoje, trabalho na MAKNA, sigla que significa Majlis Kanser Nasional - ou National Cancer Council. Somos uma organização não-governamental, uma das maiores do país. Pesquisa da Colgate-Palmolive e algumas campanhas feitas por outras empresas reconheceram a aprovação do público, colocando-nos como a ONG mais bem quista dentre as apresentadas.

O nome 'MAKNA', em Bahasa, também pode ser traduzido por 'significado, sentido', e é isso que faz o nosso trabalho ser especial. Além de suporte financeiro e do tratamento para pacientes com câncer, também fornecemos apoio psicológico e emocional. A organização trabalha com prevenção, tratamento e pesquisa, com nosso próprio centro hospitalar. Atendemos a todos, sem distinção de cor, gênero, status legal ou religião. Nossos programas também abrangem as famílias daqueles tocados pelo câncer, com um sistema de bolsas escolares e empréstimos (sem cobrança de juros) para abertura de pequenos negócios. Os recursos para tudo isso vêm de doações: cartão de crédito, doações diretas, desconto em folha de pagamento, campanhas institucionais. São quase 2 milhões de ringgit (próximo de 1 milhão de reais) por mês.

Sou executiva da Divisão Internacional, montada em 2008 para levar esse cuidado para outros países do Sudeste Asiático e do Oriente Médio. Somos quatro pessoas somente, mas o mundo que nos aguarde. ;)

Todos os colaboradores, contratados ou voluntários, não ficam somente em suas funções 'de escritório'. Duas vezes por ano, temos de dormir na casa de um de nossos pacientes e ajudar sua família com o tratamento. Participamos de home visits em outras cidades e também de exibições em feiras, universidades, shoppings de todo o país. Assim, temos uma visão de todo o sistema, e daí podemos ter idéia de como melhorar nosso trabalho - e dos entraves que ainda temos de superar.

Terça-feira foi a minha primeira exposição. Foi na Universiti Teknologi Mara, em Shah Alam, capital de Selangor. Kuala Lumpur, o distrito federal, fica 'dentro' desse estado. Foi uma ótima chance que tive de conhecer a população considerada cabeça aberta da Malásia: os universitários. É difícil falar sobre câncer de mama e de testículos em uma sociedade que não toca nesses assuntos, mesmo no meio acadêmico. Como pedir pra uma mulher ou um homem fazerem o auto-exame, se eles não conhecem bem o próprio corpo?

Muitos passavam pelo estande e olhavam ressabiados. De longe, primeiro observam. Comentam, cutucando o amigo do lado. Riem. Depois, a curiosidade os vence e se aproximam. Assim, conseguimos conquistar confiança e conversar.

A intenção era realmente chocar com as fotos. Assim que paravam, podíamos abordá-los.

 
Caras de espanto. 95% dos que se interessavam eram meninas. Os rapazes ainda têm mais preconceito ainda, e não se envolvem. Vi só uns 5 ou 6. 

 Aprendendo a se tocar

Nesse dia, conseguimos vinte novos voluntários, nossa caixinha de doações estava quase cheia e distribuímos todos os folhetos explicativos sobre o auto-exame das mamas! Tivemos interessados até a última hora, praticamente fechamos a universidade!! Foi ótimo!! As pessoas são receptivas, o trabalho é gratificante, você vê a mudança e os rostos iluminados bem à sua frente. Sempre tive essa certeza, e agora ela só se fez mais forte: o problema do mundo é a falta de alteridade.

É isso. A Malásia me recebeu muito bem e eu espero estar retribuindo em iguais condições! Aqui, a zona de desconforto é uma constante.

Veja fotos da viagem e um vídeo aqui.
Visite o site da MAKNA!


:: Em KL, 01h47, já de quinta.
:: Ouvindo: 3 Doors Down.