Das relações exteriores malasianas

Começou com a Tunísia e o governo da Malásia manteve-se calado. Os jornais limitavam-se a noticiar os confrontos como quem narra um jogo de bocha. Não havia comentários, análises políticas, nada.

Aí veio o Egito e, de repente, qualquer um se espanta: o governo malasiano, também baseado em uma ditadura teocrática (por mais que eles sempre rejeitem esse rótulo), defende publicamente as manifestações populares no país africano! O Primeiro Ministro, em vários de seus discursos desde o início da insurgência, afirma "em nome do governo e do povo da Malásia" que um dos efeitos da globalização é dar voz aos indivíduos. A solução no Egito passa pela vontade de seus cidadãos. Oi?

Uma operação de retirada de malaios do Egito foi iniciada no começo desta semana. A Força Aérea e a Marinha foram enviadas a Cairo e Alexandria para resgatar as 11 mil pessoas vivendo no país, a maioria estudantes universitários. Somando-se ao apoio democrático, outro fato também é curioso: os malaios estão sendo levados à Jeddah para de lá serem embarcados à Malásia! O apoio da Arábia Saudita é tamanho que o próprio Príncipe Abdullah está patrocinando alguns vôos - mas, não foi ele mesmo quem garantiu exílio a Ben Ali, o ex-presidente daquele país também do norte da África que a Malásia nem quis saber?!

Ok, ok, vamos tentar entender essa (in)equação. Externamente, a Malásia é vista como um dos países muçulmanos mais liberais, sendo exemplo para a emancipação democrática dentre as nações islâmicas. Lida bem com a China, os Estados Unidos (???) e possui inúmeras relações comerciais com o Irã - ninguém questiona as joint-ventures milionárias no ramo da construção civil e de oléo e gás. Enquanto isso, o repórter que noticia a manifestação anti-Mubarak em frente à Embaixada Norte-Americana de hoje de manhã é o mesmo que cobre o julgamento de mais um blogueiro preso por discordar de algum apontamento na política interna.

Se o Movimento dos Não-Alinhados ainda existisse, a Malásia certamente estaria nele. Seu desenvolvimento econômico nos últimos anos tem sido exponencial - sem alarde, porém. Garantir mercados para seus produtos é o que faz o Estado dançar como bem entende - sem a influência desta nação capitalista ou daquele governo teocrático. Hillary Clinton esteve aqui no começo do ano e o assunto "Irã" não foi levantado em nenhum momento. Iranianos têm entrada livre na Malásia e seus representanes políticos ou comerciais anunciam novas empreitadas com frequência. Mesmo sendo constitucionalmente islâmico, o país também aplica duras penas a jihadistas, perseguindo células de grupos indonésios e africanos. Ao contrário do que se passa com Tunísia, Israel, Egito, Arábia e Iêmen, a Malásia escolheu sozinha um lado: o próprio.

(Alguém aí já pensou, por acaso, no gasoduto Egito-Israel no meio dessa bagunça? Nas sabotagens que já começaram e no potencial de negócios para este país de cá, ao ver um governo desestabilizado e consumidores sem fornecimento?)

Uma pena que essa liberdade da política exterior não se reflita muito nas políticas nacionais. Mas, como eu já disse por aqui, isso é outra história, a ser contada longe da Ásia.


: : Em KL, 23h45.
: : Ouvindo os tambores do Ano Novo Chinês.