Uma janela no Reino do Camboja

Ahá! Todos já estavam pensando que eu tinha abandonado meu querido boizinho... mas é só a correria mesmo, gente. Fim de ano/começo do ano voou e eu nem reparei! Muitos projetos e cálculos a serem finalizados no trabalho e alguns contratempos até a aprovação do orçamento para 2010. Foram muitas tempestades; porém, enquanto espero pela próxima, volto-me ao labor de escriba (uh, que poético!).

Nossos escritórios em Dubai, Cingapura e Hong Kong estão lindos e encaminhados. Logo, chegou o tempo de procurar novas aventuras. Para isso, meu chefe resolveu me mandar para o Camboja, a fim de visitar o Sihanouk Hospital, que atende só aos necessitados e onde todo mundo recebe tratamento, de graça - inclusive para doenças crônicas. Conheci uma senhora que já era paciente de lá há quase 10 anos e todo mês recebia seus remédios para hipertensão, gratuitamente.

Estive na capital Phnom Penh (leia-se 'Pi-nom Pen') por dois intensos e empoeirados dias. Após a colonização francesa, uma ditadura socialista e uma invasão vietnamita, a maioria dos cambojanos sobrevive com menos de um dólar por dia. O país é rico em recursos e belezas naturais mas sofre com a falta de organização e qualificação. Só as áreas turísticas são asfaltadas e não há muitas indústrias, tampouco edifícios altos. O clima, mais ameno que o de Kuala Lumpur, compensa a poeira - de noite, pode-se até dormir sem ligar o ar condicionado. Apesar da pobreza e das dificuldades, as pessoas estão sempre sorrindo, talvez devido ao fato de serem budistas. No meio do mar de motocicletas carregando famílias inteiras e tuk-tuks com a produção do mês, você vê um BMW e um Bentley. Com certeza, o Camboja não possui classe média - e a manutenção da miséria continua a beneficiar uma camada mínima do seu povo.

Eles vivem assim, e vivem sorrindo... (Foto: avikbangalee)

 Crianças, sempre sorrindo... (Foto: avikbangalee)

Vendedora de verduras, umas das tantas que encontramos pelo caminho (Foto: avikbangalee).

Entre o aeroporto, a reunião com os diretores do Hospital e a partida, tive tempo de conhecer dois lugares icônicos para a história recente daquele país - o antigo centro de detenção e o campo de extermínio do Regime Pol Pot, responsável por um dos maiores genocídios da Ásia. Ao andar pelas celas e pelas valas comuns, é impossível ouvir algum som - nem mesmo o vento sussurra entre as barras de aço e o arame farpado. Todos se sucumbem perante a perplexidade do sistema Kampuchea, que matava qualquer um que parecia ser um traidor. Durante quatro anos, todos aqueles com algum nível de instrução foram mortos: intelectuais e formadores de opinião eram os primeiros da lista. O resto da população foi forçada a migrar para o campo e trabalhar na agricultura ou em barragens. Trinta anos se passaram e o horror mantém-se vivo em Tuol Sleng e em Choeung Ek - uma lembrança para que a loucura megalômana do homem, um dia, tenha fim.

O Khmer Vermelho transformou as escolas em centros de detenção. Essa é Tuol Sleng ou S-21, uma antiga escola de segundo grau no centro de Phnom Penh. Estou em uma das celas coletivas para tortura (Foto: avikbangalee).

Celas individuais (Foto: avikbangalee)

De S-21, os detentos eram levados a Choeung Ek, o campo de extermínio nos arredores da cidade. Existiam vários espalhados pelo país. Este da capital foi transformado em museu e possui uma pagoda com restos e crânios de alguns dos que lá pereceram. Estima-se que 3 milhões de pessoas foram mortas em 4 anos.

 Para evitar vinganças tardias, ninguém era poupado.

Avik, o fotógrafo recém-contratado da organização, me acompanhou nessa viagem, produzindo retratos incríveis. Veja mais de seu trabalho no Flickr. O álbum completo do Camboja está nesse link (para os preguiçosos: faça seu cadastro que vale a pena!).

Tanto ele, que chegara 5 dias antes, acompanhando o trabalho dos voluntários, quanto eu, de passagem, compartilhamos a mesma opinião - o máximo que conseguimos explorar da vida khmer foi um rápido olhar por uma janela, estando esta, a maior parte do tempo, parcialmente obstruída.


Voltaremos. O Camboja já teve seus tempos áureos com Angkor Wat e a secular resistência às forças tailandesas. Suas construções e templos ainda têm muito a ensinar aos ocidentais.

:: Em KL, 18h24.
:: Ouvindo: Keane.


P.S.: O blog conta agora com uma Caixinha do SAC, no menu à direita. Na verdade, é o meu Formspring, um formulário em que você pode perguntar qualquer coisa, anonimamente - mas eu deixo vocês usarem para dúvidas, sugestões, críticas, reclames, propostas comerciais e afins. Use-o bem, pois o espaço é limitado (pro questionador, não para mim. Então estejam preparados!). Fiquem à vontade para explorarem mais as minhas viagens e seus detalhes que, muitas vezes, só são mencionados em uma mesa de bar - porém, para ler as respostas, é necessário ir para a página principal do formulário, aqui.