A Dama da Liberdade

O mundo ainda tem conserto, sim.

Conheçam Annie, a professorinha de 65 anos que se juntou à marcha do último sábado, sozinha.



A Malásia faz 54 anos de independência mês que vem. Annie tem razão de querer liberdade, pois isso é algo que ela nunca experimentou.

"I only wish for a peaceful petition, but why no one is willing to listen?"


: : Em KL, 00h44, já de terça.

"It's not violence"

Acompanhem a entrevista com o Ministro da Informação da Malásia. Junto com o Ministro do Interior, são os meus 'favoritos'. Este último foi quem justificou as prisões de blogueiros, no ano passado, em nome da segurança nacional - escrevi sobre isso aqui.


Para mim, a melhor parte é "It's not violence (...) You think we are Pakistan, we are Burma. (...) This is a democratic country".

ATUALIZAÇÃO (10/07, 08h20)

Este vídeo é legítimo, mas é da marcha realizada em 2007, antes das eleições que levaram o atual Primeiro-Ministro ao poder. Ainda estamos esperando videos de ontem. Por enquanto, temos fotos: http://aje.me/p1bDGF 

Sitiada

Nunca parece tão surreal até que aconteça com a gente.

Escrevo de Kuala Lumpur, sitiada. Desde a meia-noite, o tráfego para a capital federal está desviado. As rodoviárias estarão fechadas até as 10h da noite e os ônibus interestaduais não chegarão até aqui. De carro, todos deverão submeter-se a vários bloqueios ao longo do caminho; para quem viaja de trem ou metrô, deve-se ficar atento que não haverá táxis na parada final - estão proibidos, pelo menos por hoje, sábado.

O tráfego no centro da cidade e parte da região turística também foi desviado. Policiais montaram vigília em pontos como a Praça da Independência e ao redor dos prédios da Administração Pública. Dependendo de onde você deseja ir, só a pé.

Neste sábado, uma marcha política da oposição acontecerá. Por aqui, agregações por um motivo partidário somente são consideradas legais se feitas em espaços delimitados e com aprovação do governo. Três grupos oposicionistas se juntaram e pretendem manifestar seus questionamentos e pressionar uma reforma, simultaneamente, em diversos pontos da cidade - ainda que o governo não os autorize.

Os pedidos de utilização de praças e estádios na capital foram negados pela Polícia. Mesmo assim, o movimento, encabeçado por uma senhora indiana, pretende usar lugares emblemáticos da História malasiana como palco para suas reivindicações.

91 pessoas já estão oficialmente barradas de entrar em Kuala Lumpur - caso furem o bloqueio, serão rendidas e podem ficar presas por até seis meses. O problema é que não há notícias do paradeiro desses ativistas; possivelmente, eles já estejam por aqui há alguns dias.

Na sexta de manhã, as autoridades emitiram as medidas preventivas para este fim de semana - e aqui a situação torna-se surreal por outro motivo: é incrível como os nacionais acreditam piamente no que lhes é dito pelo Estado e algo que poderia minguar pela falta de atenção da mídia, torna-se muito maior do que realmente pode ser. O tom dos pronunciamentos é realmente ameaçador para os locais.

Ao longo da semana, os comentários no escritório cresceram em intensidade e gravidade. Hoje, meus colegas foram embora pontualmente às 18h. Preocupados comigo, que sempre saio tarde, aconselharam-me a ir para casa antes das 23h, "até porque não vai ter táxi mesmo". Comentei que precisaria fazer supermercado esse fim de semana e uma outra amiga diz: "COMO você não tem nada na despensa? Ninguém pode sair de casa! É melhor você comprar uns biscoitos, coisa fácil, e ir embora."

Não é bom acreditar em tudo que se vê ou lê - mas aqui na Malásia, eles não têm muita opção. Não houve instituição de Toque de Recolher, mas é o que parece. As ruas estão vazias. As mamaks, tradicionais barraquinhas de comida vistas por todos os cantos, nem foram montadas aqui na esquina do prédio hoje. Elas dividem espaço com as BMWs de quem frequenta o pub, que hoje está vazio. É a primeira vez que não vejo estacionamento em mão dupla na cidade durante uma sexta à noite, até porque não há carros estacionados. Kuala Lumpur está quieta, silenciosa.

Eu espero poder ter um fim de semana produtivo, mesmo que o bloqueio rodoviário perto daqui me impeça de fazer muito. Só não posso usar amarelo, a cor dos apoiadores da oposição, e ser presa à toa.


: : Em KL, 02h52, já de sábado. 

ATUALIZAÇÃO (sábado, 09/07, 20h58)

Os protestos reuniram, de acordo com a Al Jazeera, 20 mil pessoas. Mais de 1.400 já foram presas, incluindo crianças. Oito estações de trem e metrô estão fechadas.

A Polícia tentou dispersar a multidão com gás lacrimogêneo e canhões de água. O 'motim' já foi contido e espera-se que os detidos sejam soltos ainda hoje à noite. Alguns líderes da oposição sofreram ferimentos, outros foram presos.

A última manifestação por eleições limpas aconteceu em 2007, antes da posse do atual Primeiro-Ministro; mas alguns amigos me disseram que esta foi bem maior, inédita em participação popular - teve até estrangeiro participando! De acordo com eles, o problema foi a própria Polícia, que incitou a desordem. O partido da situação governa o país desde a independência, em 1957.

Eleições limpas e justas, internet sem restrições, tv e rádio sem censura, liberdade religiosa de verdade e um Estado laico e democrático: a Malásia merece tudo isso. Espero que isso seja mais um reflexo das ondas que começaram no norte da África, envolvendo outros países islâmicos.


KLCC, bloqueado (mais fotos no The Star)

Bukit Bintang: o centro das compras e dos bares.
Foto de hoje à tarde, da avenida que fica engarrafada até às 2h da manhã nos fins de semana (mais fotos no The Star).


A coalizão Bersih 2.0 ('bersih' significa 'limpo', em malaio) considerou a manifestação um sucesso. Apesar de ainda não terem conseguido entregar suas demandas ao Rei, eles esperam poder fazê-lo logo.

Esperemos, então - mas não muito tempo. Pois como uma conhecida tunisiana publicou no Facebook: "it is time to start the revolution in Kuala Lumpur".