Cartas brasileiras - 02

"Oi querida, que bom receber notícias suas. Menina, que viagem cultural vc está nos proporcionando. Adorei as notícias e novidades. Por aqui quase tudo na mesma. Iniciamos os ensaios do coral. Está uma gracinha. No mais, só trabalho, trabalho e + trabalho. Sei que não foi uma decisão fácil a sua em deixar tudo e iniciar algo tão diferente. Mas a vida é muito rápida para perdermos as oportunidades que ela nos oferece. O que faz com que o mundo se mova são pessoas como vc que arriscam, e fazem a diferença.

Um beijão e que Deus te guarde e ilumine. Adorei o seu trabalho. Esses dias ainda estive refletindo sobre a minha verdadeira missão. Não tenho certeza de que é só isso que preciso desenvolver. Acredito em maiores realizações. Como fazer algo novo trabalhando 8 hs por dia, sendo dona de casa, esposa e mãe? É bom aproveitar enquanto vc tem menos demandas sociais para atender. Bjs mil, boa sorte, que o Senhor te abençoe e te guarde, livre de todo o mal e te dê sabedoria e paz. Fé. 

- A."

Olá!
Muito bom receber email seu, tava com saudade!
Realmente, não é fácil passar por isso, ter coragem pra arriscar e seguir em frente. Também não é fácil ficar aqui sozinha, sem namorado, longe da família. Me sinto um bebê às vezes, pois tenho de aprender tudo. Desde a andar na cidade até a fazer novas amizades, com os poréns e diferenças entre ocidentais e orientais. Tudo é novo, e eu tenho só eu mesma pra me motivar.

Sei como é difícil tentar algo novo, 'soltar as amarras'. Quanto mais o tempo passa, mais obrigações aparecem e de algumas você não consegue sair tão fácil. Por isso arrisquei. A cada ano, a vida se torna mais e mais complicada. Mas vc não precisa fazer nada tão radical, a mudança começa de pequeno. Mude o seu mundo e tudo começa a fluir.

Um beijo e muitas bençãos pra vc e toda sua família. Manteremos contato. Vc é sempre bem-vinda!

Deepavali

Hoje é ano novo indiano: Divali. Ou Diwali. Ou Deepavali.

Assim como a Índia, por si só, já apresenta a maior diversidade religiosa por metro quadrado, essa data assume diversos significados para esse povo: tâmils, hindus, sikhs, budistas... ao fim, todos tratam da mesma coisa: iluminação. É o Festival das Luzes, indicando o triunfo do bem contra o mal e a iluminação espiritual do indíviduo.

Os indianos do norte chamam de Diwali; os do sul, de Deepavali. Na Malásia, usa-se esse último nome. É feriado nacional e uma data móvel baseada no calendário lunar, assim como o Hari Raya - caindo sempre entre o fim de outubro e os 15 primeiros dias de novembro. De acordo com a sua crença, o dia pode marcar o retorno de um rei, a morte de um demônio, o fim de uma guerra ou um casamento entre deuses. Para comemorar, os povos acendem cordas de algodão mergulhadas em óleo, sendo esta a origem do nome do festival (dipa = lamparina / avali = fila).

Tapete de serragem e velas na entrada do escritório. Os malasianos homenageiam todos os credos, e esses tapetes são encontrados pela cidade toda. Ao centro, imagem de Ganesha, deus hindu da sucesso, removedor dos obstáculos.

 Como trata-se de evolução espiritual, os indianos preparam suas moradas para receber as bençãos: compram roupas novas e fazem faxina na casa e no escritório - alguns até os reformam ou renovam a pintura. É comum também que se inicie um novo ano fiscal nesse dia, e os indianos do Norte geralmente abrem novos livros de caixa em seus comércios.

Uma outra tradição é a troca de doces e salgadinhos típicos do festival, em sinal de retribuição pela amizade e pelas conquistas do último ano. Aqui na Malásia, isso adquire uma aura toda especial, porque mexe com algo que eles adoram: comida! Acontecem mais open houses e os indian malaysians recebem qualquer pessoa, independente de raça ou posição política.

Em Kuala Lumpur, o bairro indiano é Brickfields, perto da estação central. Em tempos ditos normais, já é uma área bem colorida e barulhenta. Durante as festas, multiplicam-se as músicas, as ofertas e as luzes. A preparação começa umas três semanas antes (nesse ponto, os ocidentais são mais capitalistas: em minha cidade, já ocorre liquidação de Natal).


Uma das avenidas de Brickfields, no fim da tarde de ontem. Vendedores gritando ofertas e jingle bells instrumental tocando ao fundo...

Junto ao festival, não poderiam faltar as feirinhas típicas da temporada - aqui chamadas de melas, onde você pode encontrar tudo. Ao se aproximar de uma banquinha, lembre-se que os indianos não são tão bons negociadores quanto os chineses: as mercadorias valem a cara do freguês. Se você não conseguir convencê-los a baixar o preço, sempre existe outro vendedor mais amigável, é só procurar. Ah, e não estranhe se você perguntar algo e eles balançarem a cabeça de um lado para o outro. Isso não quer dizer 'não'. Eles apenas estão concordando com o que você diz.

Um corredor de uma das melas da cidade. Tinha ar condicionado, claro.

As mulheres, além de estarem vestidas com os melhores sáris, também enfeitam-se com jóias, maquiagem e henna. As tendas de mehndi são que nem praga! Eu aproveitei e fiz um desenho, custou 5 ringgit (quase uns 3 reais).

O processo...
 
Tchaanz!! : ) A henna preta dura até 2 semanas, mas você também pode fazer com a vermelha, que dura 5 dias.

Os fogos de artifício são um capítulo à parte na comemoração do Deepavali. Eles adoram. Mesmo. Tanto que soltam foguetes no meio das melas. Jogam bombinhas no seu pé, quando você passa. Estouram morteiros das sacadas dos prédios, mirando o chão. À meia-noite, Kuala Lumpur inteira estava às claras, com tantos fogos. Em Brickfields, a polícia teve de intervir, pois os transeuntes estavam quase em chamas (não ria, é sério!).

No dia propriamente dito, os indianos levantam às quatro da manhã, durante o Brahmamuhurta, e tomam banho de óleo, considerado purificador. Depois, fazem suas orações em família e vão ao templo, para agradecer aos deuses. Na Índia, eles se cumprimentam perguntando 'Você já tomou banho no Ganges?', comparando o banho de Deepavali ao rio sagrado. Aborrecimentos são perdoados e todos somente desejam sucesso e prosperidade uns aos outros. A união familiar é a mais celebrada. No dia seguinte à comemoração com os entes, saem para visitar os amigos e trocar doces.

Todo o significado que as luzes trazem, além da preparação espiritual, é muito bonita. Paradoxalmente, o bairro indiano pode ser considerado um gueto e eles são a minoria da população malasiana. Já ouvi muitos rótulos sobre eles e alguns confirmaram-se verdade. Talvez seja assim que eles encontraram meios de sobreviver sem serem atacados. As lamparinas de Deepavali deveriam iluminar sem distinção, trazendo paz e crescimento espiritual a todos, seres únicos, mas iguais na origem e no destino final.

Mais fotos no Flickr.

: : Em KL, 18h11.
: : Ouvindo: U2.

Cartas brasileiras

"À minha filha

Olho para você e me pergunto: Onde está aquela garotinha que queria tudo rosa?
 

Onde está aquela menininha que saía à rua com a coroa de rainha à cabeça? 


Onde foi parar o mundo do faz-de-conta, os castelos dourados, as fadas? 

Você cresceu. E a impressão que tenho é que você dormiu criança e despertou adolescente. 


A mudança foi muito brusca. Por isso, peço a você que tenha um pouco de paciência comigo. Preciso de um tempo para me acostumar a pensar que você está caminhando para a fase adulta.
 

Que, embora traga a mente ainda repleta de sonhos, são muito diversos dos anos da infância.
 

Você navega pela Internet, descobre terras maravilhosas e tece sonhos de viagens.
 

Você deseja o mundo. Até ontem, desejava ser um condor para voar acima das montanhas, dominando os céus.
 

Agora, você pensa como será pilotar um avião, para ficar entre as nuvens.
 

Você estuda sobre os astros, planetas, sistemas solares e assiste filmes de conquistas espaciais, simulando em sua mente, ser você a heroína a bordo das espaçonaves que dominam o espaço.
 

Você baixa das nuvens e seu coração bate, descompassado. Os galãs, os artistas, os meninos da escola.
 

São tantas emoções e tantas coisas acontecendo dentro de si.
 

O homem velho despertando, os hormônios agindo, as colegas assumindo posturas, exigindo outras de você.
 

Nesse seu mundo de adolescente, há tanto para querer, para conquistar.
 

Tempo de confusão. Tempo de decisão. Logo mais, você precisará definir a profissão que deseja, a carreira que pretende seguir.
 

Médica? Veterinária? Jóquei? Antropóloga?
 

Estudar inglês? Aprimorar-se na biologia?
 

Há tanto que decidir. O tempo urge.
 

De repente, me dou conta que já fui adolescente. Passei por tudo isso. E sofri, chorei, venci.
 

Por isso digo a você: Siga em frente. Não perca a fé em si mesma. Não descarte Deus de sua vida.
 

Sonhe e sonhe muito. Deseje sempre crescer, progredir.
 

Não perca a garra, a vontade de alcançar o que almeja. Quem abandona seus sonhos, já perdeu a graça maior da vida. Já começou a morrer.
 

Você veio ao mundo para ser feliz, para conquistar experiências, para evoluir.
 

Por isso, sonhe e invista nos seus sonhos. Planeje e persiga seus planos.
 

Estude, trabalhe, viva.
 

Não descarte ninguém de sua vida: a família, os amigos, professores, colegas.
 

Todos estão ao seu redor para o apoio afetivo que necessita.
 

Seja amiga, irmã, filha, colega. Nunca esqueça, no entanto, que você é filha da Luz, herdeira do Universo, Espírito imortal.
 

Conquiste as glórias do mundo, mas não esqueça que o brilho maior, imperecível, é o que conquistará você, Espírito, vivendo o bem, fazendo o bem, embelezando o mundo com sua presença especial.

Um Abraço especial do papai e mamãe e beijos muitos beijos, e que DEUS te ilumine."

Goiânia, 19 de agosto de 2009.
Srta D. em trânsito GRU/FRA/KUL.

Banheiros na Ásia

Ok, ok... ir ao banheiro (ou usar o toalete, sendo politicamente correta) é algo bem pessoal. Tão pessoal que não deveria ser comentado em jornais, revistas, tevê aberta ou blogs. Mas antes de viajar à Ásia, é preciso que eu apresente a verdade para vocês. E, vá lá, ela nem é tão ruim assim.

A tradição oriental, descoberta e glamurizada recentemente pelos ocidentais, tem também muito a ensinar no campo fisiológico. Aqui, caros, ainda se usam vasos turcos. Aqueles enfiados no chão, típicos de rodoviária de interior ou de posto de gasolina sujo à beira da estrada. Só que aqui eles não são sujos. São até mais higiênicos do que o trono que você se senta todos os dias.

Na verdade, o assento do tipo ocidental é algo bem recente. Antes, nós todos fazíamos as necessidades agachados - acocorados, melhor dizendo. Perdemos a prática de ambas ações, já que agora nos agachamos com as pontas dos pés, deixando o tendão de Aquiles todo atrofiado. Em toda a Ásia, isso ainda é bem comum. Tão comum que os chineses, por exemplo, não só conseguem fazer xixi desse modo. Se vão a algum lugar que não há vaso turco, eles se empoleiram em cima do sanitário normal mesmo. O acocorar não tem limite de idade: velhos, crianças, jovens... já vi até mulher grávida de oito meses.

Não precisa se assustar e desistir das férias aqui. Prédios comerciais, shoppings, restaurantes, todos esses ambientes públicos possuem banheiros com, no mínimo, duas cabines: uma para cada freguês. Como aqui é a Ásia e tudo tem fila, é só vc se encarregar de saber qual é a certa (geralmente os assentos sanitários são os primeiros, contando da entrada). Em qualquer um deles, você encontra um chuveirinho. Os orientais não usam papel higiênico; além disso, os muçulmanos, antes de rezar, lavam os pés - e pra isso eles não precisam escolher diferentes cabines.

Mas é bom que você esteja preparado, pois pode precisar do vaso turco nos lugares mais inapropriados. A universidade do último post, com toda sua estrutura moderna, só tinha esse tipo de wc no campus. Garanto que ninguém consegue segurar a vontade por mais de 8 horas; dor de barriga então...

Mais do que prática, você precisa vencer o medo!!! Esse post inteligentíssimo do obvious te ajudará nisso. Leia, te dá uma idéia geral do que fazer nessas situações - e de como não se molhar todo nas primeiras vezes.

; )

: : Em KL, 00h21, já de quarta.
: : Ouvindo: Kings of Leon.

Dia de exibição

Muita gente ainda me chama de louca por ter largado 'tudo' no Brasil. A minha vida era ótima: tinha estabilidade no emprego, tinha minha motoca, morava com meus pais e não precisava me preocupar com a minha comida e nem com a minha roupa. Mas... faltava algo.

Não reclamo de nada que eu tinha lá, mas comecei a ficar inquieta (meu pai diria que eu sempre o fui). Se duas coisas me incomodam imensamente, elas são a rotina e a alienação. Minha cidade é ótima, mas ela sempre foi muito pequena para os meus anseios. Finalmente, a oportunidade apareceu e eu não a deixaria escapar, mesmo com todos os poréns que eu enfrentei para estar aqui. Minha família me apoiou e, no fim, é só disso que você realmente precisa.

Hoje, trabalho na MAKNA, sigla que significa Majlis Kanser Nasional - ou National Cancer Council. Somos uma organização não-governamental, uma das maiores do país. Pesquisa da Colgate-Palmolive e algumas campanhas feitas por outras empresas reconheceram a aprovação do público, colocando-nos como a ONG mais bem quista dentre as apresentadas.

O nome 'MAKNA', em Bahasa, também pode ser traduzido por 'significado, sentido', e é isso que faz o nosso trabalho ser especial. Além de suporte financeiro e do tratamento para pacientes com câncer, também fornecemos apoio psicológico e emocional. A organização trabalha com prevenção, tratamento e pesquisa, com nosso próprio centro hospitalar. Atendemos a todos, sem distinção de cor, gênero, status legal ou religião. Nossos programas também abrangem as famílias daqueles tocados pelo câncer, com um sistema de bolsas escolares e empréstimos (sem cobrança de juros) para abertura de pequenos negócios. Os recursos para tudo isso vêm de doações: cartão de crédito, doações diretas, desconto em folha de pagamento, campanhas institucionais. São quase 2 milhões de ringgit (próximo de 1 milhão de reais) por mês.

Sou executiva da Divisão Internacional, montada em 2008 para levar esse cuidado para outros países do Sudeste Asiático e do Oriente Médio. Somos quatro pessoas somente, mas o mundo que nos aguarde. ;)

Todos os colaboradores, contratados ou voluntários, não ficam somente em suas funções 'de escritório'. Duas vezes por ano, temos de dormir na casa de um de nossos pacientes e ajudar sua família com o tratamento. Participamos de home visits em outras cidades e também de exibições em feiras, universidades, shoppings de todo o país. Assim, temos uma visão de todo o sistema, e daí podemos ter idéia de como melhorar nosso trabalho - e dos entraves que ainda temos de superar.

Terça-feira foi a minha primeira exposição. Foi na Universiti Teknologi Mara, em Shah Alam, capital de Selangor. Kuala Lumpur, o distrito federal, fica 'dentro' desse estado. Foi uma ótima chance que tive de conhecer a população considerada cabeça aberta da Malásia: os universitários. É difícil falar sobre câncer de mama e de testículos em uma sociedade que não toca nesses assuntos, mesmo no meio acadêmico. Como pedir pra uma mulher ou um homem fazerem o auto-exame, se eles não conhecem bem o próprio corpo?

Muitos passavam pelo estande e olhavam ressabiados. De longe, primeiro observam. Comentam, cutucando o amigo do lado. Riem. Depois, a curiosidade os vence e se aproximam. Assim, conseguimos conquistar confiança e conversar.

A intenção era realmente chocar com as fotos. Assim que paravam, podíamos abordá-los.

 
Caras de espanto. 95% dos que se interessavam eram meninas. Os rapazes ainda têm mais preconceito ainda, e não se envolvem. Vi só uns 5 ou 6. 

 Aprendendo a se tocar

Nesse dia, conseguimos vinte novos voluntários, nossa caixinha de doações estava quase cheia e distribuímos todos os folhetos explicativos sobre o auto-exame das mamas! Tivemos interessados até a última hora, praticamente fechamos a universidade!! Foi ótimo!! As pessoas são receptivas, o trabalho é gratificante, você vê a mudança e os rostos iluminados bem à sua frente. Sempre tive essa certeza, e agora ela só se fez mais forte: o problema do mundo é a falta de alteridade.

É isso. A Malásia me recebeu muito bem e eu espero estar retribuindo em iguais condições! Aqui, a zona de desconforto é uma constante.

Veja fotos da viagem e um vídeo aqui.
Visite o site da MAKNA!


:: Em KL, 01h47, já de quinta.
:: Ouvindo: 3 Doors Down.

Cameron Highlands

No sábado de Hari Raya, embarquei para Cameron Highlands. Fui com colegas de trabalho, todos estrangeiros como eu. Saindo de Pudu Raya, a rodoviária de Kuala Lumpur, existem várias linhas de ônibus que fazem a viagem: nós fomos pela Kurnia Bistari. Levando-se em consideração que esse feriado é o mais importante pros muçulmanos e que todos os hotéis, ônibus, aviões e albergues para todos os lugares estavam lotados, foi um achado essa viagem. Conseguimos os últimos cinco lugares no ônibus vip, que não era lá tão mal assim. Eram somente três cadeiras em cada fileira, e não 4, como no Brasil. Além disso, existem somente 27 assentos no total e, assim, eles são totalmente reclináveis, com apoio para pernas e pés.

Cameron Highlands é o refúgio dos chineses e cingapurianos - e de mochileiros europeus também, sempre com um exemplar surrado do Lonely Planet nas mãos. Ao subirem a serra, buscam fugir do calor e da agitação urbana. O nome do lugar é em homenagem a William Cameron, o explorador britânico que descobriu o platô em 1885. Desde então, agricultores europeus lá se estabelecem para plantar chá e morangos, já que o solo da área também ajuda em tal atividade. A 1500m de altitude e com apenas 712km², o distrito é formado por 8 cidadezinhas. Ficamos em Tanah Rata, a que possui mais serviços turísticos - e a única com área de desembarque. O isolamento também favorece a existência de um templo budista, de um convento e de alguns templos indianos; todos ficam no alto das montanhas.

Apesar de estar a apenas 214km da capital, a viagem dura aproximadamente 5 horas, por conta da serra. No nosso caso, durou mais. O mundo inteiro estava deixando KL e indo ao campo, como na música de Balik Kampung! Saímos às 8h30 e chegamos às 14h. Teve chuva e engarrafamento na estrada. E uma fila de 20 minutos para usar o banheiro na parada intermediária (eu ainda acho que peguei a que andava mais rápido... meus colegas ficaram meia hora na espera!).

Chove, chuva... 


Bem que no Brasil todas as estradas poderiam ser assim... 

Na estrada tortuosa que te leva ao frio, muitas barraquinhas de durian, a fruta típica da Malásia. Ela lembra uma jaca, mas menor - no tamanho, não na potência atômica. Meu nariz consegue detectar seu cheiro de animal em decomposição a quilômetros de distância. E como o cheiro da jaca (que aqui também tem e chama-se jackfruit), gruda em tudo. Hotéis e o transporte público proíbem a entrada, permanência e degustação dessa coisa. Ao lado das barraquinhas, havia as moradias dos malasianos. Infelizmente, pobreza é igual em qualquer lugar do mundo e as casinhas de madeira e palha são tudo que eles têm.

Segurem-se todos! 


Casinha à beira da estrada

O kampung
 
A paisagem é um espetáculo à parte. Há cachoeiras escondidas pela vegetação nativa e desde a serra já se pode ver as plantações de chá. Só não se focalize na janela por muito tempo; a espiral da subida faz você achar que está passando pelo mesmo lugar pela milésima vez, além de causar reações fisiológicas adversas. É bom tomar um Dramin antes de ir para Cameron Highlands.

Começando a subir a serra

Desníveis indicando as plantações de chá, em cor mais clara 
 
Enfim, chegamos. Minha primeira impressão foi a de ter viajado no tempo e caído no meio de um vilarejo inglês, na época da Dinastia Tudor. Não fossem os carros japoneses, eu poderia, sim, dizer que estive no interior da Europa. Lá também chovia, mas nada que atrapalhou nossas caminhadas. 

Conseguimos alugar um apartamento de uma voluntária da organização em que trabalho. Ela nos recepcionou com os sorrisos e a hospitalidade típica dos malaios e nos levou até o local. Não era um prédio para turistas, e sim um condomínio residencial que os próprios nativos compram como investimento. São suas 'casinhas de campo'. O nosso era um apartamento halal, ou seja: nada de porco e nada de bebidas alcoólicas. Mas era todo arrumadinho e todo acarpetado.

A rua principal (e que fique claro, só existem mais algumas 5 ou 6) concentra o que você mais encontra em Cameron Highlands: comida!!! Tem pra todos os gostos: chinesa, malaia, filipina, indiana, italiana... tem até Starbucks, para os viciados naquele café sem graça. Mas é um ótimo lugar pra relaxar, usar o Wi-fi cortesia e comer uma écclair. Após o almoço tardio, demos uma volta pela avenida e conhecemos o parque da cidade. Ah, a Lotta, nossa amiga viking, resolveu experimentar o tal do durian. Desejamos boa sorte e saímos correndo.

Eu, Lotta e Pinshu (Foto: Rajibul Hasan)

Durian... que gostoso! (Foto: Rajibul Hasan)

Sábado é dia de night market nas montanhas; logo, não poderíamos deixar de visitá-lo. Mas acontece que deixamos (losers!). A feira é realizada em outra cidade do vale, Brinchang. De qualquer forma, a caminhada noturna também foi legal - em tempos de Hari Raya, tudo se enfeita e a iluminação festiva é muito bonita. Jantamos em um restaurante indiano; pra acalmar o frio, bebi um cappuccino (bem italiano, mas - surpresa! - vendido no mesmo lugar). A madrugada chuvosa e o frio da manhã seguinte só nós confirmaram uma coisa: a trilha do dia seria, no mínimo, interessante.

Contratamos os serviços de um senhorzinho simpático, em seu guichê de informações ao lado do restaurante. Ele nos pegou em casa e passou a programação do dia: visita às plantações de chá, trilha em Bukit Binchang e na Mossy Forest, Butterfly Farm e Strawberry Farm, tudo isso pela manhã. Como imagens valem mais do que palavras nessas horas, serei bem rápida:

BOH Tea Plantations (uma família escocesa detém a maior plantação de chá preto do país)

O ponto mais alto da Malásia: 3000m 

Lotta e eu na Mossy Forest (Foto: Rajibul Hasan)
 


Vila de trabalhadores da BOH Tea Plantations; as plantações estendem-se ao horizonte.


Rajibul e o camaleão (parte da Butterfly Farm)
  
Butterfly Farm

 Clique aqui para ver o resto (compensa, eu garanto! :)

Às duas da tarde, estávamos de volta. De tão exaustos, não fizemos mais nada no resto do dia. Meu colega Rajibul, o fotógrafo, voltou à floresta para conhecer os aborígenes da região (sim, ele é muuuito animado), mas os normais foram descansar. No outro dia cedo, regressamos à Kuala Lumpur. Teve mais chuva, e voltamos em um SUV - a empresa não tinha mais vaga nos ônibus de retorno e nos deram essa opção. Pagamos um pouco mais caro que a viagem de ida, mas nada exorbitante.

Em uma visão bem rápida, Cameron Highlands nem tem tanta coisa a se fazer assim, tirando as benesses do frio. Não é uma viagem cara, e certamente é algo para se fazer depois de uma semana estressante. Também deve ser muito bom pra um fim de semana diferente com o namorado ou namorada, pois vi vários casais curtindo o romantismo da cidade. Se você animou, faz favor de escolher alguém bem especial, senão o 'evento' vai acabar sendo um martírio. A área urbana mais próxima está a 5h de distância.

Eu pretendo voltar, acompanhada e para comer morangos! ;)

:: Em KL, 23h04.
:: Ouvindo: Franz Ferdinand.


:: P.S.: Desculpaê pela péssima formatação. Eu juro que tentei, várias vezes, arrumar esses espaçamentos. Mas o editor não coopera comigo!