Ipoh

Duas semanas atrás, passei uns dias em Ipoh, capital do estado de Perak e segunda capital administrativa durante o domínio britânico. A cidade foi fundada por volta do ano 1880 por conta das minas de estanho, ocupadas pelos japoneses durante a II Guerra. Ao contrário de Melaka, que chama atenção pela arquitetura, Ipoh é mais conhecida por suas paisagens - enormes cavernas, usadas como santuário para templos budistas e centros de cremação. Como uma típica cidade mineradora, ela teve sua breve glória no século passado e de uns trinta anos para cá, vive das empresas que extraem calcário e argila de suas montanhas. As minas e todas as contruções relacionadas a essa atividade foram abandonadas.

Ipoh fica a uma hora de Cameron Highlands e o seu clima também é mais ameno que o de Kuala Lumpur, com uma brisa fresca soprando durante todo o dia. Fiquei na casa de um ex-colega de trabalho da ong, que acabou se tornando um grande amigo. Max abrigou a mim e outros durante o fim de semana e também nos serviu de guia, levando a todos os cantinhos da cidade enquanto contava histórias. Seu pai veio da China para trabalhar nas minas dos ingleses, uma rota parecida com a maioria da população de Ipoh. 70% de seus habitantes são chinese malaysian e isso reflete no modo de conduzir negócios, na cultura e na culinária - que, por tudo que é verdade nessa vida, é muito boa. MUITO. As frutas e os vegetais são frescos, os grãos têm gosto e há carne de porco em todos os lugares! *olhinhos brilhando* Junto a Penang, também de maioria chinesa, Ipoh faz jus à fama de comida boa e barata.

Visitar a cidade com um local faz toda a diferença para entender os motivos que levaram à construção de tal estrada ou sob qual motivo uma parte da serra foi destruída. Ipoh é cheia de história mas, assim como Melaka, o governo não quer desenvolvê-la: ainda há nativos da terra que são excluídos dos programas sociais e vivem isolados na mata porque não aceitaram o islã. A maior parte das construções que resistiram ao tempo são britânicas ou chinesas. E, já que a grande parte da população não é malaia, não há incentivos industriais ou fiscais para abertura de empresas na região - o governo não quer desenvolvê-la, também por conta da questão racial. "Sinto a discriminação desde que nasci e fico triste porque quando o meu filho crescer, isso ainda não vai ter mudado, por mais que a gente se revolte e lute", disse Max. E a frustração é visível, por todos - até eu me irrito com certas políticas daqui.

Foram dois dias intensos, nos quais pude conhecer praticamente toda a cidade. As fotos falam por si (o álbum completo está no Flickr).

Entrada do Templo Sam Poh Tong 

Algumas das muitas e diferentes estátuas de Buda do templo

A caverna acaba em um jardim lindo com um laguinho de tartarugas (elas simbolizam longevidade para os chineses). Fazia tempos que não sentia tão tranquila como nesse lugar. A cadeia de caverna isola o jardim do resto do parque: sobram você, o silêncio e o céu azul.

Templo Kek Lok Tong: este fica do lado oposto de Sam Poh Tong. É mais turístico e possui inúmeras estátuas de ouro. As formações naturais, lá, ainda estão se modificando; por isso, a caverna também recebe estudiosos e fãs de estalagmites.

 Uma das galerias da caverna, que também acaba em um lago e áreas de piquenique (olha a luz entrando pela esquerda!)

Old Town Ipoh: após o declínio da mineração, muitas casas e prédios foram simplesmente abandonados. Hoje há um projeto de restauração dessa parte da cidade com o estabelecimento de novos negócios. Infelizmente, não há interesse do governo quanto ao patrimônio histórico.

Olha só como fica linda depois de pronta!

Ipoh Town Hall


: : Em KL, 17h26.
: : Ouvindo: Foo Fighters.

Historical Melaka

Pense em um porto para o qual sopram ventos tranquilos, um lugar onde se possa descansar das últimas tempestades. Pense também que esse porto fique exatamente entre a Índia e a China e, logo, o comércio na região também é valorizado. Pense que, durante 300 anos, vários povos tentaram controlar o local e cada um deles deixou sua marca na arquitetura, na culinária, no modo de vida e nos traços das pessoas. Isso é Melaka, uma cidadezinha a 150km de Kuala Lumpur - quem a controlava era dono dos Estreitos de Malacca, passagem garantida para as mercadorias e riquezas da Ásia. Portugueses, holandeses, chineses e ingleses tiveram sua fase - tanta riqueza histórica e cultural garantiu-lhe ser um dos Patrimônios da Humanidade, desde 2008.

No último sábado, eu, Roxanne (a estagiária de Hong Kong) e suas colegas de apartamento fomos parar lá, para uma day trip. Tirando os imprevistos dignos de um "Malaysia boleh", a viagem foi muito boa e definitivamente voltarei para um fim de semana prolongado: Malacca transpira História.

Ninguém sabe ao certo como a cidade surgiu, mas a lenda conta que há uns 600 anos, um príncipe de Sumatra, ao fazer uma viagem pela região, pousou ali. Deslumbrado com a posição estratégica e com a tranquilidade da terra, resolveu ficar. Melaka era o nome da árvore que lhe dava sombra e daí tudo começou a acontecer do outro lado do estreito indonésio. Muitos dizem que 'melaka' descende de uma outra palavra árabe que significa 'mercado' - mais um indício de que a região é há muito tempo conhecida.

Após o estabelecimento da província, mercadores chineses passaram a comercializar seda e porcelana com os malaios (ainda não muçulmanos, naquela época), antes da chegada dos europeus. Como as chinesas eram proibidas de deixar o país naquela época, seus conterrâneos não tinham outra opção a não ser constituir família com as locais: indígenas, javanesas, balinesas... daí surgiu a primeira mistura cultural da cidade, os Baba-Nyonyas - expressão utilizada para designar 'senhor' e 'senhora' em dialetos locais. Essa comunidade desenvolveu língua, arte, culinária e arquitetura próprias e podem ser facilmente reconhecidos nas ruas de Malacca e Penang. Bem-educados, falam malaio, baba e chinês, podem ser cristãos, budistas ou muçulmanos e sempre - SEMPRE - serão empresários ricos e de renome (mais do que os chineses malasianos, até).

Interior de uma casa Baba-Nyonya em Melaka. Hoje, o andar térreo abriga um restaurante e os donos moram no andar de cima.

A pia. =)

Os primeiros europeus a chegar a Melaka foram os portugueses, em 1511, fazendo de lá mais uma parada em sua rota de especiarias. Foram eles quem trouxeram os temperos e as pimentas da Índia para o Sudeste Asiático, além de aumentarem o comércio com a China e as ilhas da Indonésia. Uma fortaleza foi erguida e lá dentro havia dois palácios, um castelo, uma sala de reuniões e cinco igrejas. "A Famosa" controlou o comércio de seda e porcelana da China, têxteis da Índia, cânfora de Bornéu, ouro e pimenta de Sumatra, estanho da península malaia, sândalo de Timor e noz-moscada e cravinho das Ilhas Moluccas.

Igreja de São Paulo no topo da montanha, cercada pelo forte. À esquerda, o Rio Melaka (Francis Valentijn, 1726)

Em 1641, após uma resistência de sete meses, o forte foi tomado pelos holandeses. Estes mantiveram a arquitetura, mas reformaram a casa: as construções ainda são de um vermelho forte, mas os brasões portugueses deram lugar aos da coroa laranja. Alguns canais também foram abertos. Acontece que, no século XVII, Melaka já não era tão importante assim na rota das especiarias e com a tomada napoleônica na Europa, a Holanda estava muito mais preocupada com as suas terras baixas lá do que em outro lugar. Aproveitando-se disso, a Companhia das Índias Orientais, empresa britânica, ocupou Malacca em 1795 - unindo a península malaia sobre o dominío dos ingleses. Foi aí que decidiram destruir todas as construções militares já existentes e erguer outras segundo a arquitetura Tudor. Atualmente, as ruínas da Fortaleza de Malacca e a entrada do forte A Famosa são os pontos mais visitados pelos turistas.

Fortaleza de Melaka
 
Entrada dA Famosa

Arquitetura portuguesa e coloração holandesa

Melaka é um ótimo lugar para se divertir e aprender História ao mesmo tempo. Seus becos e construções me lembram muito as cidades coloniais da minha região - e sempre fico impressionada ao imaginar como seria viver a época das grandes navegações. Tantos desafios, mas os europeus chegaram tão longe! Quando eu iria pensar que usaria meu idioma pátrio para conversar com um asiático que nunca saiu deste lado do mundo? Uma noite na praça portuguesa ajudou a controlar a saudade da atmosfera interioriana e da comida de casa. Os locais descendentes dos lusos são chamados de Kristang (cristão, em malaio). Fiquei sabendo que lá também tem festa junina esse mês e até vi carro de boi!
 
Infelizmente, os malaios não dão o devido valor à cidade e nem à sua história. Apesar de Patrimônio da Humanidade, a maior parte de seus feitos não foram realizados por esse grupo étnico - daí, o goveno não se importa. Pode-se ver a modernidade avançando sobre o centro velho de Melaka, carros transitando em áreas de ruínas e não há controle do fluxo de pessoas em cada ponto histórico. Uma pena - mas em um país onde a maioria muçulmana muda os livros didáticos e ensina que eles sempre estiveram nesta terra, tudo é possível. Uma maioria planejada, logicamente.

Melaka e seu estreito marcaram o início da globalização no Sudeste Asiático.  Famosos, até estrelaram o último "Alice no País das Maravilhas"!

Casa 3 em 1: arquitetura portuguesa e design sino-holandês

 Acesse o Flickr para mais fotos.

:: Em KL, 03h41, já de quinta-feira.
:: Ouvindo: Stereophonics.

Happy Birthday, Buddha!

Mais um feriado com motivos religiosos na Malásia. Dessa vez, no último 28 de maio, foi o Wesak (ou Vesak), celebração budista em comemoração ao aniversário de iluminação de Gautama, o primeiro Buda. Além daqui, praticamente todo o Sudeste Asiático, a China e - é claro - a Índia e o Sri Lanka prestigiam a data. O evento também é marcado pelo calendário lunar e, por convenção, acontece na primeira lua cheia de maio.

Em Kuala Lumpur, uma procissão de aproximadamente 4km é realizada após o pôr-do-sol, passando pelo centro histórico da cidade. Centenas de seguidores carregam velas e caminham lado a lado com pequenos carros alegóricos, todos coloridos e iluminados, com variadas imagens de Buda. A entoação de mantras e o ar carregado de incenso dão uma aura toda elegante e serena à caminhada. O ponto de partida e o destino final é o templo que fica em meu bairro, Brickfields - aliás, lugar da maior concentração de casas de diferentes religiões da capital. Da minha janela vejo um templo budista, dois hindus, uma mesquita, uma igreja evangélica e uma católica. Aqui, todos vivem em paz.

Enquanto eu via tudo da sacada, meus amigos entraram no frevo e acompanharam os fiéis em todo o percurso. Aqui estão algumas fotos.

Dentro do templo budista de Brickfields (Foto: Rajibul Hasan)


Velas e agradecimentos (Foto: Rajibul Hasan)


Buda e um de seus discípulos (Foto: Rajibul Hasan)


Um dos carros da procissão (Foto: Rajibul Hasan)

Belo, belo... (Foto: Rajibul Hasan)




: : Em KL, 15h30.
: : Ouvindo: Incubus.