Gong Xi Fa Cai

É Ano Novo chinês. Muitos fogos, dança de leões e oferendas pela cidade toda. Mas na verdade, o ano que se inicia não é chinês - é lunar. Coreanos e vietnamitas, dentre outros, também comemoram a data. Como a Malásia é 40% chinesa, o ano novo tem suas particularidades. As tradições são as mesmas do continente, mas há algumas diferenças nas comemorações.

Contando os dias pela lua, os chineses entraram no ano 4747 - e um novo início sempre coincidirá com o começo da primavera, também. Este é o ano do tigre, terceiro animal que se apresentou a Buda quando este convocou uma reunião. Somente doze deles atenderam ao chamado e, em agradecimento, cada um ganhou um ano na astrologia chinesa. Em ordem: rato, boi, tigre, coelho, dragão, cobra, cavalo, cabra, macaco, galo, cão e o javali, por último.

A virada, nesse ano, caiu no dia 14 de fevereiro. Aqui, o feriado oficial tem dois dias - porém, como um deles caiu no domingo, ganha-se um dia útil a mais na contagem final (isso para qualquer data festiva que caia no domingo). Ou seja, também tive um descanso prolongado: de sexta até terça de carnaval. ; )

A festa, contudo, dura quinze dias. É a data mais importante que os chineses comemoram (aqui, alguns amigos meus diriam 'ah, e a revolução?!', mas eu os mandaria calar a boca). Os cinco primeiros dias são dedicados às visitas e ao agradecimento: passa-se cada um deles com a família, a família dos sogros, com os mortos (sim, eles visitam o cemitério no ano novo), no templo e finalmente, com os amigos.

Meu professor de mandarim convidou a mim e outros brasileiros para um jantar de ano novo, com sua família. Melhor jeito de experimentar essas tradições não haveria! : )

O bairro em que eles vivem é habitado, predominantemente, por chineses. Daí, ao longe pode-se ver a fileira de lanternas vermelhas acesas nas entradas das casas, que só serão retiradas ao fim dos quinze dias. Queimam-se muitos fogos, para afastar os maus espíritos. Além do vermelho, o amarelo também é usado na decoração, simbolizando prosperidade. É comum ver desejos escritos com tinta preta em tiras de papel vermelho também na entrada e por toda a casa. O preto representa a água e a sabedoria; e o vermelho, o fogo e o sucesso. Em conjunto, causam ebulição - e é por ela que os chineses acreditam que as coisas mudam. No dia anterior ao feriado, nossos colegas de escritório levaram tinta e papel para praticarmos nossos desejos de prosperidade. Olha só que linda, a minha escrita:

 
Colei ao lado da minha mesa de trabalho. A frase da esquerda significa "Que todos os seus desejos se realizem". A da direita pode ser traduzida como "Grande fortuna, grande prosperidade" (grande na extensão, não é 'muita' em quantidade, me explicaram).
 
Ao chegarmos à casa do professor, fomos recepcionados pelo seu sogro que nos levou para conhecer toda a família. São seis irmãos e todos moram próximos. De casa em casa fomos recebidos com muita festa, alegria, chá e comida - muita comida. Assim, soubemos da história da família, do novo casal formado no último 31 de dezembro e também a história de cada cookie e da torta especial de ano novo. Uma dica é se estiver satisfeito, sempre deixar algo no prato e na xícara. Vazio, para eles, não signfica saciedade, mas sim que você ainda quer mais.


Um pedacinho da família do professor, fazendo sinal de 'Feliz Ano Novo'! Eles não poderiam passar por brasileiros?? : )
A mocinha do meu lado, na foto, é minha xará! :D

 Depois de quase uma hora degustando os quitutes é que nos avisaram que o jantar estava servido. E que jantar!! Todos se sentam à mesa - que deve ser redonda, para favorecer o relacionamento e a união da família. E como nas nossas celebrações, tudo é servido com bastante fartura, para trazer sorte e  felicidade. Sempre há arroz e peixe, para trazer prosperidade e dinheiro, respectivamente. Também há um tipo especial de macarrão para a data, que simboliza vida longa. E as mexericas, ah! Chineses as chamam de 'laranjas da sorte' e durante toda a festa esse é o modo de desejar prosperidade aos queridos: levando muitas frutas para casa, enfeitando o altar com elas, espalhando pelos cômodos... e comendo, principalmente! 

Quase que o altar não aparece!

O sogro nos explicou sobre as entidades que eles veneram e como fazem pedidos a elas. Em seguida, o professor nos explicou da tradição do ang pao (tradução literal: envelope vermelho). Assim como os cristãos trocam presentes no Natal, as crianças e os solteiros de cada família chinesa, durante a festa, recebem envelopes, que não precisam ser vermelhos, com dinheiro. Isso é o presente deles - os filhos casados também entregam ang paos aos pais anciãos. Eu, claro, ganhei um!

 
Meu ang pao! Até que enfim minha solteirice serviu pra alguma coisa! :P
 
Ainda restavam mais duas casas para visitar - e lá fomos nós, conhecer o resto da família. Ao fim da noite e dos jantares, éramos cinco brasileiros felizes da vida, com tamanha recepção. Eu fiquei muito lisonjeada com o cuidado, o carinho e os muitos elogios também (minha beleza é exótica pra eles). Foi o primeiro ano novo chinês que comemorei e aprovo! Esse povo realmente sabe se divertir. Que venham os outros!

Gong Xi Fa Cai (Feliz Ano Novo)!!!


: : Em KL, 01h03, já de quinta.
: : Ouvindo: Oasis.

Batu Caves e o Thaipusam

Dentre todos os lugares de adoração existentes na Malásia, Batu Caves reserva algo a mais na escala do exótico e do assustador.

As cavernas ficam em Gombak, a 13km do centro de Kuala Lumpur. Seu nome deriva do rio que corta as montanhas, Sungai Batu. Primeiro usadas para mineração, em 1891 receberam a primeira estátua sagrada de Lorde Muruga, filho de Shiva e Parvati, irmão de Ganesha. Muruga é tido como o deus da guerra e da vitória, sempre representado portando uma lança - chamada de Vel -, presente de sua mãe. No ano seguinte, o local passou a ser o ponto central do festival de adoração, o Thaipusam - que, certamente, não é uma experiência para os fracos.

A transformação das minas em santuário aconteceu por conta de um mercador indiano, que também fundou o templo Sri Mahamariamman, perto da Chinatown de KL. Conta-se que ele foi inspirado a transformar a caverna principal em templo porque sua entrada lembra a ponta do Vel que Muruga carrega consigo. No total, o lugar possui 3 grandes cavernas e algumas outras menores. Na base das montanhas, existem duas cavernas - um museu e uma galeria de arte, com representações de diversas divindades e outras estátuas que contam a história de como o deus hindu venceu o demônio Soorapadam. Para chegar à Caverna Catedral, é preciso encarar uma subida com nada menos que 272 degraus - no sol e no calor escaldante dessa terra. No meio do caminho, animais: pombos, cobras e muitos - muitos - macacos. Leve amendoim para eles, se não quiser ser atacado.

Em 2006, foi inaugurada, na base da colina, a maior estátua de Lord Muruga do mundo. Ela demorou 3 anos para ser construída e possui 42.7 metros de altura. Parte dessa megalomania que os asiáticos têm, ela também prova que o festival malasiano é o maior Thaipusam do mundo, fora da Índia.

 
Lorde Muruga. A estátua custou RM2.5 milhões e foi feita com 1550m³ de concreto, 250t de barras de aço e 300L de tinta dourada de origem tailandesa
(Foto de domínio público)

A adoração é feita pelos indianos tâmiles, mas aqui na Malásia é comum encontrar alguns chineses, também devotos. Ela ocorre sempre na lua cheia do mês Thai do calendário tâmil (entre fim de Janeiro e começo de Fevereiro). Nesse ano, aconteceu no último sábado, dia 30 de janeiro. Os fiéis preparam-se para pagar as promessas por meio do jejum. Raspam as cabeças e agradecem as graças recebidas por meio de oferendas e do sofrimento, carregando kavadis (que significa, literalmente, 'fardo'). O kavadi pode ser um simples pote carregado de leite até altares inteiros, com imagens de Muruga, montados sobre os ombros dos homens. Eles podem medir até 6 metros de altura e pesar até 200 quilos. Pra acompanhar, são passados ganchos no corpo dos devotos, em que são amarradas cordas. Também penduram-se limões, laranjas e cocos. Pra terminar, lanças tipo Vel são colocadas atravessando a língua e as bochechas, para evitar que eles falem algo e concentrem-se na penitência. Assim, 'vestidos para a festa', saem do templo no centro de Kuala Lumpur e caminham até Batu Caves. Durante toda a peregrinação, estão em transe. Após subirem os 272 degraus e agradecerem ao deus, é que a provação acaba e os ganchos são retirados.

Ah, sim. Durante todo o trajeto, os penitentes são acompanhados por toda sua família, cantando e dançando. Músicos com tambores e flautas também não poderiam faltar.




Em um só dia, Batu Caves recebe 1,5 milhão de pessoas. Cheiros, cores e sons se misturam nesse lugar, abarrotados de fiéis, turistas enlouquecidos pela visão e aventureiros, que também querem experimentar a adoração na pele.

 

Como se trata de um festival religioso, existe todo um protocolo e uma etiqueta. Ouvi de um indiano que vai todos os anos, se martirizar, que mulheres menstruadas são proibidas. Segundo ele, os incorporados atacam as pobrezinhas. E mesmo que eu não estivesse nessa situação, eu não iria. Não consigo ficar em espaços assim (vide foto abaixo) e certamente não tenho estômago pra acompanhar mortificações ao vivo.


É... exótico e assustador.


P.S.: Batu Caves, sem dúvidas, é um ótimo lugar pra se visitar. Existe uma área do rochedo que até é usada para escaladas. Mas, longe do mês Thai, por favor. 'Googleiem' aí, para fotos mais chocantes.

: : Em KL, 00h35, já de terça.
: : Ouvindo: Jamie Cullum.