O Clube das Mulheres Obedientes

Pois é, ele existe. Aqui na Malásia, uma associação islâmica conservadora chamada Global Ikhwan montou o Clube da Poligamia, para reunir muçulmanos que optaram por terem até quatro esposas. O Clube das Mulheres Obedientes foi criado para reunir as esposas desses homens, a fim de que todas tenham a mesma visão sobre como viver em grupo e de como cuidar da casa, do marido e dos filhos das demais esposas. Este último foi fundado no começo deste ano e já argumenta ter 800 mulheres cadastradas e mais 200 membros no exterior.

Legalmente, a poligamia é aceita por aqui apenas em casos em que ambos os cônjuges sejam muçulmanos - ou seja, 60% da população do país pode viver assim. Dentre outras condições, há aquela que as esposas antecessoras devam aprovar um novo casamento; o esposo deverá ter condições financeiras suficientes para sustentar todas as suas famílias de igual maneira, provendo uma casa para cada uma delas, além do carinho e atenção para manutenção da base familiar. Mesmo esse suporte jurídico, o Global Ikhwan é repudiado pelo governo e por outros grupos islâmicos desde sua criação, por conta das visões muito radicais sobre o assunto.

Semana passada, o grupo foi notícia na imprensa local pelo lançamento de um livro direcionado às Mulheres Obedientes - e distribuído somente entre elas - no qual estimula as esposas a terem sexo grupal com seus maridos a fim de que a base familiar não seja corrompida e que eles não busquem o divórcio (obviamente, em uma sociedade sexista como a asiática, qualquer deslize que ponha fim ao casamento será sempre culpa da mulher. Mesmo se o homem trai, a culpa é dela por não prover o melhor dentro de casa). Elas não devem competir entre si, mas sim buscar sempre a satisfação do provedor. O livro intitula-se Islamic Sex, Fighting Jews to Return Islamic Sex to the World e um dos capítulos traz desenhos explícitos de como valorizar o ato e as preliminares, algo moralmente inaceitável no país. A Malásia censura qualquer publicação que seja considerada pornográfica ou que insulte o Islã. O Ministério de Assuntos Islâmicos já se pronunciou sobre o caso e prometeu uma investigação. Na outra ponta, um representante da Associação afirmou que o livro foi direcionado somente àquela comunidade e manteve-se em silêncio. Até agora, não consegui encontrar nenhuma mídia que tenha tido acesso direto a ele: agências locais e estrangeiras ainda tentam colocar as mãos no controverso.

Vale lembrar que o Global Ikhwan já proclamou várias vezes suas visões radicais sobre o sexo e casamento dos muçulmanos. As Mulheres Obedientes já sugeriram publicamente a suas associadas serem "putas na cama" (ou, na versão em inglês, "whores in bed") para garantirem a permanência do matrimônio. Estudos feitos por grupos ativistas liberais garantem que a poligamia não é tão mais aplicável como nos tempos de Maomé: geralmente, o esposo não consegue manter um padrão de vida considerável em todos os núcleos. Mesmo assim, os casamentos continuam a ocorrer: muitos fogem para outros países, lá declarando-se como solteiros, ou casam-se por aqui mesmo, às escondidas. Para regularizar qualquer uma dessas situações, bastam pagar uma multa ao Tribunal Islâmico: mil ringgits - o equivalente a 550 reais, aproximadamente. Toda a história é então dada como legal e a esposa matriz tem de aceitar o fato, sem contestar.

Essas discussões de gênero são sempre muito polêmicas, em qualquer parte do mundo. Não é porque o país é oficialmente muçulmano que todos partilham da mesma opinião sobre cultura, sexualidade, direitos. Há por aqui grupos de muçulmanas feministas que juntaram suas vozes à do governo para reclamar da postura dessas organizações mais conservadoras. Os dois lados acreditam que o outro coloca a mulher como objeto, cada um à sua maneira.

Essa mulher que vos escreve já viu casais islâmicos comprando lingerie no shopping. O rapaz com vestimentas ocidentais e sua esposa de niqab; ambos pareciam bem confortáveis nessa situação. Mas essa mulher que vos escreve também já viu homens esperando a mulher do lado de fora da mesma loja, enquanto aquela comprava um pijamão cafona e ignorava de cara feia a presença da mulher de niqab escolhendo uma calcinha fio-dental.

Discussões filosóficas à parte, devemos estar bem com a nossa própria opinião, sem tentar impor nada a ninguém - quanto menos forçar uma opinião pública. Infelizmente, isso torna-se bem difícil em regiões onde não há manifestação de sua individualidade se não houver uma repressão generalizada do grupo ao qual você tem de pertencer, querendo ou não.

É, meus amigos... "o inferno", realmente, "são os outros".


: : Em KL, 00h46, já de quarta.
: : Comemorando meu terceiro Deepavali!